Mobilização Social Festa do Batismo do Milho Guarani Kaiowá – Avatikyry / Jhero’sy Puku
- Tipo da Atividade: Mobilização
- Data: 31/01/2025
- Participantes: 30
- Parceiros: Comunidade Indígena Itay Ka’agwyrusu
Coletivo Okaragwyje Taperendy ‘Pátio Plenificado Caminho Resplandecente’ - Local: Comunidade Indígena Itay Ka’agwyrusu | Antiga Missão Evangélica Alemã – Distrito de Bocajá, 79880-000 – Douradina | Mato Grosso do Sul
O evento, que ocorreu entre os dias 31 de janeiro e 2 de fevereiro de 2025, representou uma oportunidade de aproximação institucional, mobilização social e articulação cultural entre o Comitê e as lideranças indígenas locais, fortalecendo diálogos sobre políticas culturais, salvaguarda do patrimônio imaterial e apoio às manifestações tradicionais Guarani e Kaiowá.
A equipe do Comitê de Cultura partiu de Campo Grande no dia 31/01/2025, às 13h30, chegando à Comunidade Indígena Itay Ka’agwyrusu por volta das 17h00. A recepção foi conduzida através de um ritual de boas-vindas, no qual os anfitriões entoaram rezas e cânticos sagrados enquanto acompanhavam os visitantes até a Oga Pysy (Casa de Reza), evidenciando o caráter de hospitalidade do evento, reforçando os princípios de reciprocidade e pertencimento que regem a dinâmica social dos Guarani e Kaiowá. O diálogo inicial foi estabelecido com o lider da retomada, Rogério Alziro, que revelou elementos centrais da trajetória da comunidade, relatando que a aldeia está instalada no local há 15 anos, enfrentando constantes ataques externos, incluindo o incêndio de três casas de reza ao longo desse período.
Roberto estudou na Escola Joãozinho Karapé, em sua aldeia, até a 4ª série, e concluiu a 5ª e 6ª série na Escola Barão do Rio Branco, em Douradina, onde o ensino em português predominava. Apesar disso, manteve o uso da língua kaiowá. Aos 22 anos, casou-se com Izinei Aquino Hilton, com quem tem quatro filhos bilíngues. Em 2010, integrou o grupo que retomou o território tradicional Itay Ka’agwyrusu, onde passou a residir. Durante 11 anos, foi braço direito de seu sogro, Joel Hilton, na liderança da comunidade, assumindo a posição após seu falecimento. Após o incêndio da casa de reza em 29 de dezembro de 2021, Roberto liderou um movimento de resistência cultural junto ao grupo de canto Okaragwyje Taperendy, reconstruindo a casa de reza, inaugurada em 7 de maio de 2022, durante um festival de música indígena, coorganizado pelo coletivo e pelo Casulo – Espaço de Cultura e Arte. No decorrer da visita, foram estabelecidas interlocuções com agentes/lideranças, e também representantes do Coletivo Okaragwyje Taperendy ‘Pátio Plenificado Caminho Resplandecente’, proporcionando uma visão mais aprofundada sobre a comunidade e significado do ritual
Teresinha Aquino (Ñhandesy Mboy Poty Rendiy) – Comunidade Itay Ka’agwyrusu;
Nascida em 5 de julho de 1960, na aldeia Lagoa Rica, Douradina-MS, cresceu em uma família que preservava a cultura kaiowá, mantendo os rituais, a luta pela terra e o uso da língua materna. Sua maior influência foi sua avó Ramonita, que lhe transmitiu conhecimentos tradicionais por meio de histórias. Frequentou a escola do Posto da Funai, mas teve uma experiência educacional irregular, destacando-se sua passagem pela missão alemã, onde aprendeu em kaiowá com o missionário Martin Black. Casou-se com Joel Hilton, com quem teve duas filhas, Ifigeninha e Izinei, e juntos participaram da retomada do território tradicional Itay Ka’agwyrusu, em 2010. Na comunidade, ajudou a construir uma casa de reza, destruída 14 meses após sua inauguração devido à intolerância religiosa. Com apoio do grupo Okaragwyje Taperendy, liderou a reconstrução desse espaço sagrado, reafirmando sua resistência cultural
Ifigeninha Hirto (Mbo’y Jegwaju)
Nascida em 1980, na aldeia Panambi, foi parteira em casa e cresceu em um ambiente de forte preservação cultural. Estudou até a 4ª série na Missão Evangélica Unida, onde teve ensino em kaiowá, e posteriormente frequentou escolas em Douradina e Vila Vargas, onde concluiu o curso de magistério. Ingressou na UFGD em 2006, formando-se em Licenciatura Intercultural Teko Arandu (2011). Atualmente, é professora concursada na Escola Municipal Joãozinho Karapé. Casou-se aos 18 anos e tem três filhas bilíngues. Em 2010, participou da retomada do território tradicional Itay Ka’agwyrusu, nas proximidades da antiga Missão Alemã, da qual já fez parte e onde tocava flauta e cantava. No acampamento, envolveu-se em projetos de revitalização cultural, liderando o grupo Ñemongo’i, participando de gravações musicais e oficinas de grafismo e língua kaiowá. Atualmente, integra o grupo Okaragwyje Taperendy e segue em processo de aprendizado das rezas tradicionais, já tendo assimilado oito delas. Pretende, após a aposentadoria, cursar mestrado para estudar a linguagem kaiowá nos cantos de seu povo.
Relatou que foi indicada para um cargo na Superintendência de Cultura da Prefeitura de Douradina.
Nhandesy Neusa – Comunidade Panambizinho, Dourados;
Além disso, foi promovido um diálogos com outros membros do Coletivo Okaragwyje Taperendy, como, Iziney Aquino Hilton – nascida na na aldeia Panambi Lagoa Rica, é filha de Joel Hilton e Terezinha Aquino. Desde criança, participa de grupos de canto tradicional, como Ñemongo’i e Okaragwyje Taperendy, e hoje é líder da comunidade Ita’y Ka’agwyrusu, atuando na preservação da cultura Kaiowá; e Cristiana Hilton Aquino, nascida na aldeia Panambi Lagoa Rica, é filha de Otilda Hilton e Demario Aquino. Estudou na Escola Joãozinho Carapé Fernandes e cursou o 1º ano do ensino médio no Colégio Barão do Rio Branco. Desde a infância, integrou grupos de canto tradicional, como Ñemongo’i e Okaragwyje Taperendy, além de atuar como artesã; também foi mantido diálogo com com jovens indígenas, entre eles Michele, cineasta, cuja atuação na produção audiovisual se destaca como um importante mecanismo de registro e valorização das narrativas indígenas. Também foi estabelecido contato com representantes da Organização REDE RAIS – Rede de Apoio e Incentivo Socioambiental, de Dourados – MS, com os quais foram discutidas estratégias de articulação e fortalecimento das práticas culturais indígenas em âmbito estadual.
A equipe realizou registros audiovisuais de grande relevância, incluindo depoimentos de Nhandesy Teresinha Aquino, que discursou em Guarani sobre a importância do Jhero’sy Puku, com tradução simultânea realizada por Infigênia. Esses registros integram o acervo documental do Comitê e servirão como material de referência para futuras iniciativas de valorização da cultura indígena no estado.
Assim, durante a participação na Festa do Batismo do Milho (Jhero’sy Puku), o Comitê de Cultura de MS manteve contato com representantes do Coletivo Okaragwyje Taperendy, fortalecendo o diálogo e a articulação cultural com a comunidade indígena. O coletivo, sediado na Comunidade Itay Ka’agwyrusu, em Douradina-MS, foi fundado em 2017 por Joel Hilton com o objetivo de preservar e difundir a cultura Guarani e Kaiowá por meio da música, cantos sagrados, grafismos, língua e espiritualidade tradicional. Originado do Grupo Ñemongo’i (2012), o Okaragwyje Taperendy tem participado de diversos festivais e eventos culturais, como o Festival Internacional de Teatro de Dourados (FIT 2016) e o Festival Indígenas.BR 2023, promovendo apresentações musicais, gravações de álbuns e oficinas culturais. Em 2019, lançou o CD “Okaragwyje Taperendy”, com 24 músicas tradicionais Kaiowá, e em 2022, contribuiu para a produção do Dicionário Kaiowá-Português, além de registrar seus cantos no Spotify e YouTube. Durante a pandemia, em 2021, seus integrantes construíram uma Casa de Reza, reforçando a transmissão dos saberes espirituais e arquitetônicos indígenas. Após o falecimento de Joel Hilton em 2022, a liderança do coletivo foi assumida por Terezinha Aquino, que continua a promover ações de fortalecimento da identidade Kaiowá em Mato Grosso do Sul e no Brasil. O contato estabelecido entre o Comitê de Cultura de MS e os representantes do coletivo abre possibilidades para futuras parcerias, intercâmbios e articulações culturais, ampliando a visibilidade das expressões artísticas indígenas dentro das políticas culturais do estado.
Adicionalmente, foram discutidas estratégias de continuidade da articulação entre o Comitê e as comunidades indígenas, com enfoque na organização de eventos e seminários em 2025. Os diálogos estabelecidos com as lideranças indígenas e demais participantes do evento abordaram temas centrais para o fortalecimento das políticas culturais e das articulações institucionais, como:
Diálogos Culturais: Reflexões sobre a diversidade cultural e os desafios enfrentados pelas comunidades indígenas na preservação de suas tradições e manifestações culturais.
Nova Política Pública da Cultura: Apresentação e discussão sobre as diretrizes atualizadas do Ministério da Cultura (MinC), com foco na inclusão das pautas indígenas e na valorização do patrimônio imaterial.
Comitê de Cultura e Transversalidades: Debate sobre a atuação do Comitê de Cultura de MS, destacando a importância da transversalidade das políticas culturais e a necessidade de inclusão das demandas indígenas nos programas estaduais e federais.
Articulação para Eventos de 2025: Planejamento preliminar de ações conjuntas, incluindo a organização de seminários, encontros e eventos culturais voltados para o fortalecimento das manifestações indígenas e a ampliação da participação dos povos originários nos espaços institucionais.
Como resultado dessa aproximação, a equipe foi convidada a participar de outras edições da Festa do Batismo do Milho, previstas para ocorrer em diferentes comunidades:
Comunidade Indígena Panambizinho (Dourados) – 20 a 22 de fevereiro de 2025;
Aldeia Laranjeira Nhanderu (Rio Brilhante) – 7 a 9 de fevereiro de 2025.
Assim, acreditamos que a presença do Comitê de Cultura de MS na Festa do Batismo do Milho (Jhero’sy Puku) consolidou um espaço de escuta qualificada e articulação interinstitucional, reforçando a importância da transversalidade das culturas indígenas dentro das políticas públicas do Estado. A participação na cerimônia permitiu um contato direto com as práticas rituais, a organização sociopolítica e os desafios enfrentados pelas comunidades Guarani e Kaiowá, proporcionando um entendimento mais profundo sobre os mecanismos de resistência cultural e reterritorialização indígena.
A metodologia aplicada ao mapeamento das redes culturais na baseou-se em abordagens participativas e técnicas alinhadas às dinâmicas socioculturais indígenas, valorizando práticas tradicionais de transmissão de conhecimento por meio da oralidade. A escuta ativa foi o elemento central dessa metodologia, conduzida em diálogos estruturados com lideranças indígenas e membros de coletivos culturais. Essa abordagem buscou respeitar e integrar os modos próprios de compartilhamento de saberes das comunidades Kaiowá e Guarani, nos quais a palavra falada e os relatos de vivências têm um papel essencial na preservação da memória coletiva, na articulação de redes sociais e na organização comunitária. Através desse processo, foram identificadas redes culturais e estabelecidas conexões entre suas práticas e territórios. Além disso, a metodologia incluiu uma análise de conexões territoriais, que buscou mapear a inter-relação entre comunidades, destacando fluxos culturais, parcerias e trocas de conhecimento entre os diversos grupos. Esse olhar territorial permitiu compreender como as redes se articulam não apenas em um nível local, mas também em uma dimensão intercomunitária, potencializando ações integradas e fortalecendo a coesão cultural entre os territórios. A valorização da oralidade e da territorialidade foi fundamental para capturar a complexidade e a profundidade das articulações culturais, respeitando os princípios de interculturalidade e protagonismo comunitário.
Foram promovidas articulações estratégicas com redes culturais estruturantes, em especial com alguns dos representantes do Coletivo Okaragwyje Taperendy, com foco na ampliação do diálogo e na construção de parcerias. Um dos principais resultados foi o convite e a articulação para a participação dessas organizações no Seminário Culturas, identidades e religiosidade afro- brasileira e indígena, a ser realizado pelo Comitê de Cultura de Mato Grosso do Sul em maio de 2025, em Corumbá/MS; e no Seminário – Mulheres Indígenas, Quilombolas e Camponesas: Saberes, Experiências e Resistências, a ser realizado pelo Comitê de Cultura de Mato Grosso do Sul em março de 2025, no Auditório do BioParque Pantanal, em Campo Grande/MS. Este evento visa promover uma troca de saberes entre mulheres que, além de organizar os espaços domésticos e transmitir conhecimentos tradicionais, estão na linha de frente das lutas por direitos, enfrentando violências que atravessam questões de gênero, raça, etnia e classe. A articulação para a inclusão das lideranças indígenas nos seminários reforça a integração das redes culturais e amplia o alcance das discussões sobre os desafios e resistências das mulheres nas comunidades. Essa parceria estratégica evidencia a continuidade das ações do Comitê, fortalecendo o protagonismo feminino e a interculturalidade nas políticas culturais do estado.
Por fim, o Comitê reforça seu compromisso em manter um canal de diálogo permanente com essas comunidades, apoiando a formulação e implementação de políticas culturais que reconheçam e fortaleçam os saberes e as práticas dos povos originários, visando promover a construção de agendas colaborativas e a valorização do patrimônio imaterial indígena, fundamentais para o planejamento das ações futuras, assegurando que os povos Guarani e Kaiowá tenham voz e protagonismo na definição das políticas culturais do estado.

